Diario de Pernambuco Newspaper January 8, 2015
OPINION
Martha K. Huggins
O mal velado anti-comunismo volta à luz
O mal velado anti-comunismo volta à luz em estratégia do The New York Times para o Brasil
O The New York Times (NYT)
em seu editorial do último dia 28 de dezembro conclama a presidente Dilma Roussef
a pronunciar-se abertamente pelos valores democráticos defendidos pela maior
parte dos países nas américas e a exercer forte proeminência entre as lideranças de oposição a Cuba, já que, diz o jornal, como
ex-prisioneira política, esquerdista e presidente de um dos principais aliados
comerciais de Havana, a presidente Dilma, poderia supor-se,
teria grande peso no apoio aos dissidente cubanos que almejam por
mudanças políticas em Cuba. Mas, pergunto, não há
ai, neste apelo do The New York Timmes, uma
contradição entre as terríveis experiências do Brasil (e do restante da America
Latina) com as interposições dos Estados Unidos em assuntos internos para
que se solicitasse à presidente Dilma
uma atitude semelhante de interferência?
O editorial
manifesta-se pontualmente afirmando que em Cuba “a vigilância do Estado é
creditada tão generalizada que, receosos, os cubanos retiram as baterias de
seus telefones celulares quando
desejam preservar
a privacidade de suas conversas, temendo que as extensas milícias
de espiões internos possam escutar ou vigiar virtualmente qualquer um a
qualquer momento”. Mas, certamente, a Presidente brasileira não
esqueceu que a US National Security
Agency (NSA) grampeou suas conversas telefônicas pessoais. A
espionagem da NSA sobre Dilma, sem falar da espionagem sobre cidadãos comuns nos Estados Unidos, deve tê-la feito sentir-se familiarizada com
as imagens criadas pelo The New
York Times a respeito da vigilância
do governo cubano.
O Brasil sabe perfeitamente dos perigos políticos a partir de sua experiência
na Guerra Fria. O general Carlos Brilhante Ustra, que comandou os
assassinatos no DOI/CODI de São Paulo— uma organização com a qual a interação com
os Estados Unidos incluiu o período em que Dilma estava sendo torturada – , o
fez para livrar o país de seus inimigos políticos: comunistas, rebeldes e
estudantes tidos como esquerdistas. O NYT incita “os governos desses países latino-americanos que , diz ele,
teriam anteriormente mimado e cultivado o regime de Castro a tornarem-se proeminentes
entre as lideranças de oposição. Esta postura parece assumir que há ingenuidade
e submissão dos líderes latino americanos aos interesses dos Estado Unidos e que esses mesmo líderes não possuam
quaisquer estratégias geo-poltíticas sensatas
guiando suas ações. Dificilmente haverá um caminho para que a América Latina do
século XXI se curve aos interesses dos Estados Unidos. A presidente Dilma, o Congresso brasileiro e a população da maior
democracia da América Latina certamente
entrevem o que está contido neste convite do NYT.
Reconhecer
no Brasil sua tradição de não interferência em assuntos internos de outros
países é o exigido. Além disso, muitos brasileiros, especialmente
depois do lançamento de filme de Camillo
Tavares, “O dia que
durou 21 anos”, lembram com grande
cautela a ajuda aos militares prestada pelos Estados Unidos para que o
presidente democraticamente eleito, João Goulart, fosse derrubado. Lembram
também que o golpe de 1964 começou com o apoio dos Estados Unidos a uma guerra
interna contra os cidadãos brasileiros que durou duas décadas, repleta de
abusos aos direitos humanos que estão sistematicamente
documentadas no recente relatório da Comissão Nacional da Verdade. Algo me diz
que a presidente Dilma não cederá à armadilha do NYT. Ela é inteligente demais para fazer tal coisa e o Brasil é politicamente astuto para não
deixá-la fazer.
Martha K. Huggins, mora
a 90 quilômetros de Cuba , é professora emérita da Universidade de Tulane e faz parte do Grupo de Guerra Fria da
Universidade de São Paulo. Escreveu intensamente nos últimos 40 anos sobre a
problemática dos Direitos Humanos no Brasil . Dois de seus sete livros estão
focados especificamente na tortura e
morte de dissidentes políticos Political Policing: The US and Latin
America (Duke, 1998) and Violence Workers: Brazilian
Torturers and Murders Reconstruct Brazilian Atrocities (U of
California Press, 2002).
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